esperança de Isabel Divina, minha mãe, da série uma vida inteira, 2020
vídeo, som, cor, 6’23’’
3ed + PA
[transcrição do áudio do vídeo]

“Vou contar um pouquinho da história dos clipes, como que ele surgiu em minha vida. Estava eu indo pra Tupã [cidade vizinha de Herculândia, interior de São Paulo] no dentista e eu passei em frente a um escritório, provavelmente uma pessoa tinha acabado de varrer o escritório, e jogou vários clipes. Tinha vários: tinha mais de dez, vinte, assim jogados na calçada. E aí de longe eu vi umas coisas brilhando, e falei: nossa, o que será que é aquilo? A hora que eu cheguei próximo, nossa, eram clipes. Só que os clientes e os donos do escritório estavam na frente, na calçada, e aí eu não consegui pegar. Mas eu fui embora olhando pra trás com aquela necessidade de realmente voltar e pegar o clipe. Eu falei assim, poxa vida, tantos clipes e eu vou deixar passar, né? Aí então, depois disso, eu não deixo passar um clipe. Só se realmente eu não ver e estiver em lugar que eu não consiga pegar. Eu pego todos. A necessidade foi maior, porque eu senti que realmente eu tinha que ter pego aqueles clipes. Mas aí, eu comecei a ver de uma outra maneira, né? Assim, tipo, nossa, vou ficar rica com esses clipes, catados da rua. De alguma forma, tenho que inventar alguma coisa. E fui catando um, dois, três... vários. Fui guardando numa caixinha. E aí, depois disso, nunca mais deixei de catar nenhum clipe. Cato sempre, cato todos. Eu também comecei a comentar com algumas pessoas. Uns me chamam de louca, outros falam que eu sou lixeira. Não tem problema. O mais importante é que eu consigo tocar nas pessoas com os clipes. Eu consigo contagiar as pessoas com os clipes, com a história do clipe. Assim, no começo eu pegava e ainda pensava: vou ficar rica ainda com esses negócios desses clipes catados na rua. As pessoas jogam muitos clipes e quando eu achava aqueles miudiquinhos, eu falava ai meu Deus que pititiquim e quando eu acho os grandões, falo Puta! olha só que benção maior é essa aqui, gente! E aí a necessidade foi aumentando, aumentando... Fui catando e hoje eu consigo contagiar as pessoas do meu trabalho. Umas me criticam, as outras catam e me dão. E comecei também a ver por um outro lado, que eu consigo ver e ouvir algumas conversas das pessoas. Então quando a pessoa me dá um clipe, não importa se está quebrado, torcido ou amassado, eu faço um lembretinho nele e começo a interceder pela pessoa que me deu. Então essa necessidade, pra mim, está sendo muito boa. Porque a gente é falho, a gente não consegue ficar orando, essas coisas religiosas. Mas através de um clipe eu consigo pedir pra Deus, clamar, interceder, pela pessoa. E assim vai. E eu consigo contagiar muitas pessoas. Às vezes as pessoas me vêem na rua parando, pegando. Perguntam se é dinheiro, se é ouro. A minha resposta: é mais do que ouro, mais do que um dinheiro, é simplesmente um clipe velho, torcido, quebrado, enferrujado, amassado, mas que tem muita importância pra mim. Você entendeu? E fui de férias ficar um final de semana com o Tulio em São Paulo, e aí ele me chamou pra gente catar clipes no Bom Retiro [bairro da cidade de São Paulo]. Foi muito bom pra mim. Foi uma experiência única. O desafio, então, tipo: “nossa, mãe, eu acho que você não é catadora de clipes não, hein?!”. E aí, depois daquilo eu comecei catar um lá, outro cá... “Olha aqui, achei!”. Achei uns grandões, novinhos. Falei meu Deus, no meu pensamento, no meu pensamento esses grandões vão ser o sucesso da carreira da arte do meu filho. Que será um sonho meu e ele vai realizar. Você entendeu? É muito importante pra mim a história dos clipes. Tem algo, assim, grande, na minha vida. É isso daí. Beijo.” Isabel Divina, mãe do artista Tulio Costa

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