Uma bixa trapeira-colecionadora é uma avarenta cujo tesouro são os restos, resquícios, fragmentos, abandonos, inutilidades e quaisquer outras ninharias encontradas que possam vir a fazer vibrar suas pupilas. Uma bixa trapeira se apropria apenas do que está disponível ou do que já foi apresentado, ela não é uma ladra! Embora, não raro, e desprovida de vergonha, dedica e exibe as coleções àqueles de quem as apropriou.
Uma bixa trapeira-colecionadora, por vezes, se assemelha a uma criança na primeira infância, sentada no chão, analisando meticulosamente com seus pequenos dedos os elementos miúdos que encontra. Eventualmente, a criança leva os dedos à boca para tentar absorver o conteúdo do objeto por outras sensibilidades. Uma bixa trapeira, ao contrário, sabe que seus tesouros não são dotados de higiene e pureza e decide, apenas: aproximar, juntar, unir e fazer conversar entre si os fragmentos, com suas similaridades ou dessemelhanças.
Uma bixa trapeira-colecionadora caminha só, apesar de não estar sozinha no teu sonho. Em anteposição as caminhadas solitárias nas cidades, suas recolhas são abastadas e sua produção é seriada: as obras andam sempre acompanhadas de outras. Uma coleção não se configura em um único item, mas em um conjunto, sendo necessário um amontoado, um acúmulo, uma diversidade de fragmentos de um mesmo tema para que o corpo do trabalho aconteça.
Uma bixa trapeira-colecionadora é constituída de objetos e memórias de encontros. Não obstante, como artista, tem um tanto de todos os outros que já a antecederam: o ready-made de Duchamp, as colagens do Dada, os jogos urbanos dos situacionistas, a deriva letrista, a precariedade da arte povera, a invenção de si dos dândis, o caráter narrativo das pinturas históricas, a arte viva, a arte-vida, vida...
Uma bixa trapeira-colecionadora tem o chão como fundamento. Ele detêm o protagonismo em sua produção: é de onde os objetos vêm e é onde eles se sentem mais à vontade de estar. Uma bixa trapeira respeita seus desejos, alguns, por exemplo, nem querem ser encontrados e se escondem… Muitos dos trabalhos se iniciam no chão, enquanto o caos dos objetos recolhidos ao longo dos dias é analisado, selecionado, categorizado, cuidado.
Uma bixa trapeira-colecionadora facilita o trabalho dos historiadores do futuro. De suas coleções é possível fazer uma análise histórica, pois a obsolescência dos objetos, perante a modernização das cidades, culmina em seu abandono. No tempo presente, as bixas trapeiras se apresentam como exímias cartógrafas e leitoras da alteridade das cidades, os objetos abandonados dizem muito do território onde são encontrados. No entanto, esta bixa trapeira-colecionadora utiliza-se de sua coleção para narrar sua própria existência. A esta, o colecionar lhe interessa como escrita de si e inscrever-se, no tempo presente, como uma artista.